Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada (ICFEp / HFpEF)

“O coração parece forte… mas não funciona como deveria.”


✅ O que é a ICFEp?

É um tipo de insuficiência cardíaca em que o coração parece manter uma força de bombeamento normal (fração de ejeção ≥50%), mas não consegue se encher adequadamente de sangue entre os batimentos. Isso acontece porque o músculo cardíaco está mais rígido e menos elástico, dificultando o relaxamento. Além disso, processos inflamatórios, alterações nos vasos e nas estruturas do coração contribuem para o mau funcionamento. O resultado é acúmulo de sangue nos pulmões e no corpo, provocando cansaço, falta de ar e inchaço, mesmo com a fração de ejeção “normal”.

A pessoa sente cansaço, falta de ar, inchaço, intolerância ao esforço — como em outros tipos de insuficiência cardíaca —, mas os exames mostram uma bomba aparentemente “preservada”.
Por isso, o diagnóstico exige uma avaliação mais aprofundada.


🩺 Critérios atuais para diagnóstico (ESC 2021)

Para confirmar ICFEp, é necessário:

  • Sintomas típicos de insuficiência cardíaca
  • Fração de ejeção (FEVE) ≥ 50%
  • BNP aumentado (BNP > 35 pg/mL ou NT-proBNP > 125 pg/mL)
  • Evidência estrutural ou funcional:
    • Aumento do átrio esquerdo
    • Hipertrofia do ventrículo esquerdo
    • Elevação da pressão de enchimento (ex: E/e’ > 15)

📚 Fonte: ESC Guidelines 2021


🧬 Por que isso acontece?

Mecanismos principais:

  • Rigidez do ventrículo esquerdo (disfunção diastólica)
  • Pressão aumentada
  • Inflamação crônica sistêmica
  • Alterações nos vasos do coração (microvasculatura)
  • Fibrose (coração “enrijecido”)
  • Disfunção dos rins, do sistema nervoso e da regulação hormonal

📚 Fonte: Paulus & Tschöpe, JACC, 2007


👩‍⚕️ Quem são os pacientes mais afetados?

  • Idade: geralmente acima de 65 anos
  • Sexo: mais comum em mulheres
  • Doenças associadas:
    • Hipertensão arterial (> 80% dos casos)
    • Diabetes tipo 2
    • Obesidade
    • Fibrilação atrial
    • Doença renal crônica
    • Sarcopenia
    • DPOC

⚠️ ICFEp e Obesidade: uma ligação central

A obesidade, especialmente aquela concentrada na barriga, não é só um fator de risco: ela participa ativamente da doença.

  • O excesso de gordura provoca inflamação constante no corpo.
  • Isso rigidifica o coração, altera a função dos vasos e piora a capacidade de relaxamento.
  • Estudos mostram que perder peso melhora sintomas e pode até reverter parte das alterações cardíacas.

📚 Kitzman DW et al. JAMA. 2016; Paulus WJ et al. JACC. 2007


🔍 Como é feito o diagnóstico?

  • Ecocardiograma com Doppler
    • Mede enchimento do ventrículo, espessura, tamanho dos átrios
  • Dosagem de BNP ou NT-proBNP
  • Exames de esforço com eco (para sintomas sob carga)
  • Cateterismo cardíaco (em casos mais complexos)

💊 Tratamento: controlando a doença e as causas

O foco é melhorar sintomas, evitar internações e tratar comorbidades.

ClasseBenefícioEvidência
Inibidores de SGLT2 (empagliflozina, dapagliflozina)Reduzem hospitalizações e melhoram qualidade de vidaEMPEROR-Preserved, DELIVER
DiuréticosAlívio de inchaço e falta de arUso sintomático
IECA/BRA/EspironolactonaReduzem pressão e efeitos hormonais nocivosBenefício em subgrupos
Sacubitril/valsartana (ARNi)Pode ajudar mulheres e pacientes com FE 45–57%PARAGON-HF
Tratamento da FAAnticoagulação e controle da frequênciaConforme risco (CHA₂DS₂-VASc)
Controle da obesidade e apneia do sonoReduz carga sobre o coraçãoEssencial em obesos com Apneia Obstrutivo do Sono

🏃‍♀️ Reabilitação e estilo de vida

  • Exercício supervisionado: melhora a capacidade funcional
  • Perda de peso e circunferência abdominal: foco em obesidade central
  • Tratamento da apneia do sono: melhora oxigenação e sintomas
  • Vacinas (gripe e pneumococo): reduz risco de descompensações

📉 Prognóstico

A ICFEp é tão grave quanto a IC com fração reduzida, mas com menos opções de tratamento comprovadas.

  • Mortalidade em 5 anos: ~50%
  • Rehospitalizações frequentes
  • Piora progressiva da funcionalidade
  • Risco elevado de insuficiência renal, desnutrição, sarcopenia e depressão

🧾 Conclusão

✔ A ICFEp é uma síndrome sistêmica complexa, que afeta principalmente mulheres idosas com comorbidades metabólicas e obesidade.
✔ Apesar da fração de ejeção estar preservada, o coração “não está bem“.
✔ O tratamento é multifatorial, com foco em comorbidades, qualidade de vida e prevenção de internações.
✔ Os inibidores de SGLT2 são a grande revolução recente.
✔ A obesidade central deve ser combatida ativamente, pois é comum estar no centro da fisiopatologia dessa condição.


📚 Principais referências

  • McDonagh TA et al. 2021 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J. 2021;42(36):3599–3726.
  • Heidenreich PA et al. 2022 AHA/ACC/HFSA Guideline for the Management of Heart Failure. JACC. 2022;79(17):e263–e421.
  • Anker SD et al. EMPEROR-Preserved Trial. NEJM. 2021;385(16):1451–1461.
  • Solomon SD et al. DELIVER Trial. NEJM. 2022;387(12):1089–1098.
  • Paulus WJ, Tschöpe C. A novel paradigm for HFpEF. JACC. 2007;62(4):263–271.
  • Pitt B et al. TOPCAT Trial. NEJM. 2014;370:1383–1392.
  • Kitzman DW et al. Weight Loss in Obese Patients with HFpEF. JAMA. 2016;315(9):877–888.

Este conteúdo é informativo e não substitui uma consulta médica individualizada com seu médico de confiança.

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Dr. Guilherme Afonso

Olá, sou o Dr. Guilherme Afonso, médico há mais de 7 anos, com título de especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica Brasileira. Ao longo da minha trajetória, dediquei-me a proporcionar um atendimento humanizado e integral, com foco em prevenção e tratamento das mais diversas condições de saúde. Além da medicina, estou me graduando em Nutrição, o que amplia minha visão sobre cuidados com a saúde e bem-estar dos meus pacientes.

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Dr. Guilherme Afonso

Olá, sou o Dr. Guilherme Afonso, médico há mais de 7 anos, com título de especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica Brasileira. Ao longo da minha trajetória, dediquei-me a proporcionar um atendimento humanizado e integral, com foco em prevenção e tratamento das mais diversas condições de saúde. Além da medicina, estou me graduando em Nutrição, o que amplia minha visão sobre cuidados com a saúde e bem-estar dos meus pacientes.