Colesterol Alto: entendendo os Riscos, as Causas e o Tratamento

“Não basta saber o número — é preciso entender o contexto.”


🩸 O que é o colesterol?

O colesterol é um lipídeo essencial para a estrutura das membranas celulares, síntese de hormônios esteroides, vitamina D e ácidos biliares. Cerca de 70% é produzido pelo fígado e 30% vem da dieta.

Por ser insolúvel em água, o colesterol circula no sangue ligado a lipoproteínas:

LipoproteínaFunção
LDL (Low Density Lipoprotein)Transporta colesterol do fígado para os tecidos — chamado de maneira parcialmente errônea de “colesterol ruim”
HDL (High Density Lipoprotein)Remove colesterol dos tecidos para o fígado — “colesterol bom”
VLDL / IDL / RemanescentesCarregam triglicerídeos, participam da formação da LDL
Lipoproteína(a)Variante genética aterogênica, independente do LDL

Importante: O LDL não é o vilão isolado absoluto. O risco depende do contexto clínico, do número de partículas, da presença de inflamação, resistência insulínica e perfil genético.


⚠️ Hipercolesterolemia: Definição

A hipercolesterolemia é caracterizada por níveis elevados de colesterol total e/ou frações lipídicas (especialmente LDL) no sangue.

Segundo diretrizes da AHA/ACC (American Heart Association / American College of Cardiology):

ParâmetroValor Desejado (Adultos)
Colesterol total< 190 mg/dL (ideal < 160 para alto risco)
LDL-C< 130 mg/dL para baixo risco
< 100 mg/dL para risco moderado
< 70 mg/dL para alto risco
< 50 mg/dL para risco muito alto
HDL-C> 40 mg/dL (homens), > 50 mg/dL (mulheres)
Triglicerídeos< 150 mg/dL

Fontes:

  • Grundy SM et al. 2018 AHA/ACC Guidelines on the Management of Blood Cholesterol. J Am Coll Cardiol. 2019.
  • European Society of Cardiology (ESC) / European Atherosclerosis Society (EAS). 2019 Guidelines.

🧠 Por que o colesterol alto é perigoso?

A partícula de LDL oxidada ou modificada pode penetrar o endotélio das artérias e iniciar um processo inflamatório crônico, levando à formação de placas ateroscleróticas.

➡️ A aterosclerose é assintomática até o primeiro evento: infarto, AVC ou morte súbita.


🧬 Causas comuns de colesterol elevado

Primárias (genéticas)

  • Hipercolesterolemia familiar (mutações em LDLR, ApoB, PCSK9)
  • Polimorfismos genéticos que aumentam a síntese hepática

Secundárias (adquiridas)

  • Dieta rica em gorduras trans, saturadas ou excesso calórico
  • Sedentarismo
  • Resistência à insulina / Diabetes tipo 2
  • Hipotireoidismo
  • Síndrome nefrótica
  • Doença hepática obstrutiva
  • Uso de medicamentos (corticoides, antirretrovirais, antipsicóticos, isotretinoína)

🔎 Diagnóstico e Avaliação de Risco

  • Exame: Lipidograma completo em jejum ou não
  • Avaliação de risco cardiovascular com escores (ex: Framingham, ASCVD, SCORE2)
  • Dosagem opcional de:
    • Apolipoproteína B (apoB)
    • LDL-p (número de partículas de LDL)
    • Lipoproteína(a)
    • PCR-ultrasensível (inflamação subclínica)
    • Índice aterogênico: CT/HDL ou LDL/HDL


      Índices Aterogênicos
      CT/HDL ou LDL/HDL
      Esses índices mostram o equilíbrio entre o “colesterol bom e o ruim“.
      → Quanto mais baixo o índice, menor o risco de entupimento das artérias.
      Exemplos:
      CT/HDL ideal: <4,5
      LDL/HDL ideal: <3,5

      Avaliação de Risco Global
      Escalas como Framingham, ASCVD ou SCORE2 usam seus exames + idade + pressão + histórico familiar para calcular o risco de infarto ou AVC nos próximos anos.
      → O resultado é dado em porcentagem (%) de risco em 10 anos (baixo, moderado ou alto risco).

      Exames complementares (opcionais, mas úteis)
      Apolipoproteína B (ApoB): mostra a quantidade de partículas que podem causar placas nas artérias. Mesmo com colesterol normal, um ApoB alto significa mais risco. Quanto mais baixo, melhor.
      LDL-p (partículas de LDL): similar à ApoB, mede o número de “carrinhos de colesterol ruim” no sangue, não só o peso total.
      → Às vezes o LDL está “normal”, mas o número de partículas está alto — e isso também aumenta o risco.
      Lipoproteína(a): é um tipo especial de colesterol com alto poder inflamatório e genético.
      Se estiver elevado, aumenta o risco mesmo com outros exames normais.

      PCR-ultrasensível: mede inflamação silenciosa no corpo.
      → Quanto mais alta, maior o risco de infarto e doenças do coração. Ideal: <1 mg/L

💊 Tratamento: Quando e Como?

O tratamento depende do risco cardiovascular global (idade, pressão, diabetes, tabagismo, histórico familiar, etc.), não apenas do LDL isolado.

🛠️ Abordagem inicial:

  1. Mudanças de estilo de vida
    • Dieta com gorduras saudáveis (monoinsaturadas, poliinsaturadas)
    • Redução de gorduras trans e saturadas
    • Atividade física regular (150–300 min/semana)
    • Cessar tabagismo
    • Controle de peso e sono
    • Redução de ingestão de álcool e açúcares
  2. Terapia farmacológica (quando indicada):
ClasseMecanismoExemplos
EstatinasInibem HMG-CoA redutase (síntese hepática)Atorvastatina, Rosuvastatina
EzetimibaReduz absorção intestinal de colesterolEzetimiba
Inibidores de PCSK9Aumentam receptores LDL hepáticosEvolocumabe, Alirocumabe
Ácidos graxos ômega-3Reduzem TGs, efeitos anti-inflamatóriosEPA puro
Resinas de troca iônicaReduzem reabsorção de ácidos biliaresColestiramina
Bempedoic acidNova classe (inibe ACL citoplasmática)Nexletol

Fontes:

  • Robinson JG. PCSK9 inhibitors: clinical evidence and implementation. J Am Coll Cardiol. 2020.
  • Cannon CP et al. Icosapent ethyl and cardiovascular events. NEJM. 2019.

🍎 Dieta e Colesterol: o que realmente importa?

  • O colesterol dietético (ex: ovos) tem impacto menor em pessoas saudáveis do que o imaginado.
  • O que mais importa: qualidade das gorduras e carboidratos refinados.

🔴 Piores para o perfil lipídico:

  • Gorduras trans (margarinas, biscoitos industrializados)
  • Excesso de carboidratos refinados (aumentam VLDL e triglicerídeos)
  • Álcool em excesso

🟢 Melhores escolhas:

  • Azeite de oliva extra virgem
  • Abacate, nozes, peixes ricos em ômega-3
  • Fibras solúveis (aveia, psyllium, leguminosas)

🧠 Colesterol, cérebro e longevidade: mitos e verdades

  • O cérebro é rico em colesterol, mas sintetiza o próprio colesterol localmente.
  • Baixar o LDL em excesso (<30 mg/dL) por tempo prolongado pode causar desfechos neurológicos adversos em alguns grupos (ainda controverso).
  • Em idosos muito frágeis ou com expectativa de vida limitada, individualizar tratamento é essencial.

🟡 Quando NÃO tratar agressivamente?

  • Idoso > 75 anos sem doença cardiovascular: decidir caso a caso
  • Expectativa de vida < 5–10 anos: evitar “polifarmácia preventiva”

🧾 Conclusão

✔ O colesterol elevado é um marcador de risco — que deve ser avaliado no contexto clínico e metabólico do paciente.
✔ O foco deve estar na redução do risco cardiovascular total, não apenas na normalização laboratorial. “Não tratar o exame, tratar o paciente”, exemplo: não basta dar o medicamento sem que o paciente mude seus hábitos de vida de maneira a controlar os demais fatores que impactam no risco cardiovascular e no próprio colesterol.
✔ Estilo de vida saudável é sempre a primeira linha de abordagem, e pode ser suficiente em muitos casos. Em outros, mesmo com as mudanças de estilo de vida o medicamento não poderá ser dispensado. Exemplo: alterações genéticas que favorecem “entupimento das artérias por colesterol”.
✔ Medicamentos têm papel fundamental em pacientes de alto risco ou com doença aterosclerótica já estabelecida.
✔ O tratamento deve ser individualizado, baseado em risco e monitorado clinicamente, e não por pânico diante de um número isolado.

Este conteúdo é informativo e não substitui uma consulta médica individualizada com seu médico de confiança!

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Dr. Guilherme Afonso

Olá, sou o Dr. Guilherme Afonso, médico há mais de 7 anos, com título de especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica Brasileira. Ao longo da minha trajetória, dediquei-me a proporcionar um atendimento humanizado e integral, com foco em prevenção e tratamento das mais diversas condições de saúde. Além da medicina, estou me graduando em Nutrição, o que amplia minha visão sobre cuidados com a saúde e bem-estar dos meus pacientes.

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Dr. Guilherme Afonso

Olá, sou o Dr. Guilherme Afonso, médico há mais de 7 anos, com título de especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica Brasileira. Ao longo da minha trajetória, dediquei-me a proporcionar um atendimento humanizado e integral, com foco em prevenção e tratamento das mais diversas condições de saúde. Além da medicina, estou me graduando em Nutrição, o que amplia minha visão sobre cuidados com a saúde e bem-estar dos meus pacientes.